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Você sabe a diferença entre Alta Costura e Prêt-à-porter?

Por Guilherme Marrara


Os apaixonados pelo universo fashion sabem que existem duas semanas de moda distintas: a de Prêt-à-porter e a de Alta Costura. Mas será que todos entendem as diferenças e os objetivos de cada uma delas? Se você é um desses que também tem dúvidas, este post é para você!

Prêt-à-porter e a de Alta Costura
(Reprodução/Instagram)

No início do século XX, a moda era dominada pela França e as roupas eram feitas sob encomenda. Nomes da Alta Costura como Coco Chanel, Christian Dior e Elsa Schiaparelli, criavam modelitos exclusivos para a burguesia abastada. Enquanto isso, pessoas comuns - que não podiam se dar ao luxo de terem suas roupas confeccionadas por esses grandes nomes - encomendavam peças para costureiras. Funcionava assim: os clientes levavam uma referência da roupa que gostariam de vestir, e as costureiras as faziam, replicando as ideias das grandes maisons francesas. É importante ressaltar que mesmo sob medida, essas peças eram mais acessíveis e por isso eram destinadas a um público menos sofisticado.


Até o início da década de 1960, esse era o modus operandi do universo da moda: as grandes maisons criavam para os mais ricos e os menos abastados copiavam as ideias juntos com as suas costureiras. Mas isso se modificou, graças ao estilista Pierre Cardin. Visionário, Cardin percebeu que existia um abismo no sistema de moda da época e ofereceu uma solução criativa: criar roupas prontas. Como toda ruptura gera conflito, a ideia de Cardin causou polêmica, mas foi a responsável por salvar o mercado e ditou o que viria a ser o negócio da moda até os dias atuais.


História da Alta Costura


História da Alta Costura
(Reprodução/Instagram)

É curioso, mas uma das maiores tradições francesas não foi criada por um de seus nativos. A Alta Costura se iniciou com um inglês, o costureiro Charles Frederick Worth. Considerado o pai da haute couture, Worth começou a trabalhar com moda na sua Inglaterra natal. Mas mudou para Paris na década de 1840, por achar que na França suas criações seriam mais valorizadas. E assim, em 1858, ele abriu a própria maison na cidade luz.


Worth foi o pioneiro em vários sentidos: ele foi o primeiro costureiro a colocar o seu nome em uma etiqueta nas roupas; foi o primeiro a apresentar suas peças em modelos; e foi o primeiro a dividir suas coleções por estação. O inglês não criou as regras da Alta Costura, mas deu vida às ideias que passaram a fazer parte do seu savoir-faire até os dias atuais.


Ao final dos anos 1860, a casa Worth já contava com um alto número de funcionários. E para manter a ordem, seu dono achou que era o momento de se sindicalizar. Criou então a “Câmara Sindical da costura, fabricante de roupas e alfaiate para mulheres”, no ano de 1868.


Com o falecimento de Worth em 1895, sua maison passou a ser comandada por uma tríade: seus filhos Gaston-Lucien e Jean-Phillipe, e pelo seu então costureiro e assistente, Paul Poiret. Poiret trabalhou na casa Worth até 1903, quando saiu para fundar o seu próprio ateliê.


Com um nome já consolidado e com bastante expertise no assunto, Poiret criou um sindicato à parte da câmara fundada por Worth. E assim, em 1910, nasceu a “Câmara Sindical da Costura Parisiense”, mais focada na Alta Costura. Com o passar dos anos, a instituição ganhou força e importância nacional. E em 1926 foi criada uma escola com o intuito de ensinar a arte da Alta Costura, a “Escola da Câmara Sindical da Alta Costura Parisiense”.


Só para ter uma noção, a Câmara era tão importante, que durante a Segunda Guerra Mundial, Hitler quis levar a sua sede para Berlim. Na época, o costureiro Lucien Lelong - então presidente da casa - não gostou da ideia do Führer e bolou uma estratégia para proibir a transferência: criou regras que denominavam Alta Costura apenas aquilo que era feito na capital francesa. E quase cem anos depois, essa regra ainda permanece.


Em 1945, a instituição foi rebatizada de “Câmara Sindical da Alta Costura” e viveu momentos difíceis. A devastação e a pobreza europeia do pós-guerra diminuíram o movimento das maisons. Afinal não era mais viável encomendar vestidos com preços exorbitantes - mesmo que para os mais ricos. Em busca de um mercado melhor, os costureiros europeus foram para os Estados Unidos. O “sonho americano” era a luz no fim do túnel, já que o país havia prosperado durante o período da guerra e era lá que estava o novo frisson da época: Hollywood.


As atrizes dos filmes norte-americanos já haviam se tornado grandes referências de estilo e vinham, há alguns anos, usando peças da Alta Costura francesa em eventos. Os estilistas atraídos por esse glamour, foram em busca de novas ideias. E perceberam que não fazia mais sentido seguir o padrão do mercado europeu.


História do Prêt-à-porter


História do Prêt-à-porter
(Reprodução/Instagram)

E Mais uma vez uma tradição francesa foi criada por um estrangeiro. Nesse caso, por dois. Nascido na Itália, Pietro Cardin se naturalizou francês e mudou de nome para Pierre Cardin, nomenclatura com a qual ficou conhecido até o fim da sua vida. Cardin começou a sua carreira como alfaiate aos 14 anos. Mudou-se para Paris para estudar arquitetura, mas acabou se enveredando para o lado da moda ao ir trabalhar – junto com a sua concidadã Elsa Schiaparelli – no ateliê de Madame Paquin. No ano de 1947, trabalhou no ateliê de Christian Dior, onde foi responsável pela alfaiataria por três anos, até sair para montar o seu ateliê de haute couture.


Nos anos que se seguiram, Cardin foi pioneiro: criou peças unissex, encarou o Japão como um mercado promissor e a viu a moda não apenas como uma forma de arte, mas sim como um grande negócio. Junto com os estilistas André Courrèges e Paco Rabbane, Cardin formou a Tríplice Aliança da moda futurista, sendo ovacionado pela crítica.


No ano de 1959, a França ainda sofria com os efeitos causados pela Segunda Guerra uma década antes. É como uma forma de inovação, Cardin se aventurou a criar uma coleção de roupas prontas para a loja francesa Printemps. A coleção consistia em peças padronizadas, reproduzidas em diferentes tamanhos e com preços mais acessíveis. Assim, a cliente entrava na loja, escolhia a peça com tamanho similar ao seu e levava para casa na hora.


Pode parecer estranho (afinal é isso que fazemos hoje em dia), mas o método de vender roupas prontas sob o nome de um grande criador de Alta Costura, foi um choque enorme. Tanto que a Câmara de Alta Costura achou uma afronta. Na época, a Câmara alegou que o Prêt-à-porter havia destruído a carreira do estilista, mas para ele, foi a roupa pronta que o salvou. A coleção de roupas prontas deu tão certo, que anos depois ele foi convidado a presidir a instituição - mas recusou.


Cardin criou o Prêt-à-porter, mas foi Yves Saint Laurent que o levou aos holofotes. Nascido na Argélia, Yves Henri Donat Mathieu-Saint Laurent se apaixonou por arte e moda por influência de sua mãe. Aos 17 anos, se mudou para Paris e arrumou um emprego como assistente de Christian Dior em sua maison. E aos 20 anos, após a morte de monsieur Dior, Saint Laurent foi nomeado Diretor Criativo da marca, cargo que permaneceu até o início da década de 1960, quando foi convocado para servir ao Exército Argelino.


Ao voltar da Guerra, Saint Laurent havia sido substituído por Marc Bohan na Dior, e assim se juntou ao seu parceiro na vida pessoal, Pierre Bergé, e abriu a sua própria casa. Em 1961 nasceu a grife Yves Saint Laurent, especializada em Alta Costura. No ano de 1966, Saint Laurent percebeu o buraco enorme que havia no mercado de moda e resolveu criar uma marca de roupas prontas. E fez isso com uma estratégia simples, mas que se tornou poderosa.


Tradicionalmente, as casas de Alta Costura ficam dentro do Triangle D’or, região localizada à margem direita do Rio Sena, ou seja, rive droite. Saint Laurent e Bergé não viam sentido em inaugurar uma loja de “roupas prontas” na região das “roupas sob medida”, e decidiram abrir a loja YSL de Prêt-à-porter na margem esquerda do Sena, para ter mais destaque. Assim, nasceu um fenômeno da época, a Yves Saint Laurent Rive Gauche, juntando o nome do couturier à sua localização.


Na época, a inauguração da loja gerou um incômodo e foi tachada de rebeldia pela turma da moda. Mas a verdade é que Saint Laurent foi visionário: ele tornou possível que classes menos abastadas tivessem acesso à peças de grife, sem ter que despender uma fortuna por elas. Saint Laurent se tornou o primeiro costureiro a ter uma marca de roupas prontas sob o seu nome, e assim virou o primeiro costureiro-estilista da história. Ao longo dos anos, outros acompanharam a trajetória de Saint Laurent e acumularam as funções de costureiro, trabalhando em uma maison de haute couture, e de estilista, trabalhando em uma marca de Prêt-à-porter.


Características da Alta Costura


Alta Costura
(Reprodução/Instagram)

Considerada uma forma de arte, ela só existe na França e é protegida por lei, o que a torna exclusiva e prestigiosa. Sua finalidade principal não é o lucro, mas sim garantir a excelência francesa na moda. Inclusive ela é a menos rentável na tabela de lucros de uma maison: primeiro vem a perfumaria, seguida por cosméticos, acessórios, Prêt-à-porter e por último, a Alta Costura.


A haute couture segue os moldes tradicionais de confecção de roupas, sendo feitas sob medida e à mão, em um espaço de tempo longo – cada peça demora em média cem horas para ser confeccionada. As criações são luxuosas, feitas com matéria-prima nobre e destacando todo o trabalho artesanal francês.


Adquirir uma peça de Alta Costura é um investimento que varia entre US$ 10 mil e US$ 300 mil dólares. Por isso existem apenas duas mil clientes ao redor do mundo, sendo que dessas, apenas duzentas são fidelizadas. As consumidoras de haute couture são rainhas, princesas, aristocratas e socialites, que fazem questão de peças exclusivas. Celebridades também são vistas usando essas criações em tapetes vermelhos, mas os vestidos costumam ser emprestados pelas marcas como forma de publicidade.


Até hoje, a maior cliente de haute couture da história foi a socialite norte-americana Mona Von Bismarck. Mona era fã das criações feitas sob medida, principalmente as de Cristóbal Balenciaga.


A ponto de curiosidade: é impossível encontrar uma peça de Alta Costura em uma loja, afinal elas são feitas por encomenda, direto com a maison.


Características do Prêt-à-porter


O Prêt-à-porter tem finalidade mais comercial do que a Alta Costura: as peças são vendidas prontas, feitas em larga escala e com tamanhos padronizados. O desafio é criar roupas que possam ser modificadas para servir em diversos tamanhos. Todas as criações que vemos nas lojas são ready to wear: as marcas fazem coleções para o grande público, com custo menor e menos exclusivas. Mesmo que este custo menor, seja vestidos de R$ 70 mil ou bolsas de R$ 40 mil.


Passarela
(Reprodução/Instagram)

Semanas de Moda Francesas


Ao todo são duas fashion weeks diferentes com duas datas cada uma. A de Alta Costura acontece em janeiro e julho e a de Prêt-à-porter em março e setembro, complementando as criações da Haute Couture. Enquanto o Prêt-à-porter tem viés mais comercial, a Haute Couture acaba surtindo efeitos de estilo no mercado mundial, algo mais inspirador. Ambas são coordenadas pela Fédération de la Haute Couture et de la Mode (FCHM) – antiga Chambre Syndicale de la Haute Couture.


A semana de Ready to Wear possui um número maior de marcas desfilando: ao todo são 74 marcas membro e 67 convidadas. Dentre as convidadas, nem todas são novidades do mercado: Zimmermann, Dundas e Alexandre Vauthier são exemplos de marcas que não são membros, mas participam da Fashion Week parisiense como convidadas.


Quanto à Alta Costura, a questão é mais complexa. Existem três divisões dos participantes: permanentes, correspondentes e convidados. Ao todo são apenas 16 marcas Permanentes da Alta Costura. Dentre elas estão labels consagradas como Christian Dior e Chanel, e marcas menos tradicionais, como Alexis Mabille.

Para se tornar um membro permanente e receber, de forma oficial, o selo de maison de haute couture, a marca precisa preencher alguns critérios básicos. Se enquadrando, ela precisa ser apadrinhada por algum membro permanente. A apelação de cada marca dura apenas um ano: após a data, a maison precisa requerer novamente o uso do selo de HC.


A França é o único país que pode usar o termo Haute Couture para designar suas criações, pois é uma nomenclatura protegida por lei. Mas é possível representar a FHCM em seu país: na Itália a Alta Costura é correspondente a Alta Moda, e na Inglaterra e nos Estados Unidos ela é nomeada High Fashion.

Essas marcas estrangeiras que também fazem Alta Costura são as Correspondentes. Elas possuem suas sedes em seus países de origem, mas desfilam em Paris durante a semana de Haute Couture. Atualmente existem apenas 8 marcas Correspondentes: Atelier Versace, Elie Saab, Fendi Couture, Giorgio Armani Privé, Iris Van Herpen, Ulyana Sergeenko, Maison Valentino e Viktor & Rolf.


As marcas Convidadas passam por um outro processo. Para participar, basta que a FHCM entenda que a grife está fazendo um bom trabalho e a convide para participar da semana de desfiles. A etiqueta pode ser estrangeira e produzir as peças em seu próprio país. Um fator interessante é que para uma marca ser convidada, os membros Permanentes precisam estar de acordo, e com o passar dos anos uma marca convidada pode se tornar um membro permanente. Atualmente são 17 marcas Convidadas, dentre elas, casas consagradas (Zuhair Murad e Balenciaga) e casas novas (Charles de Vilmorin e Gaurav Gupta).


A Alta Costura hoje e suas regras


Alta Costura
(Reprodução/Instagram)

Diferentemente do que temia a FHCM, a Haute Couture não acabou. Ela permanece viva através dos tempos e os costureiros continuam atendendo os clientes de forma peculiar e exclusiva. Parafraseando Riccardo Tisci, “(…) no Prêt-à-porter é necessário entender que a coleção deve satisfazer mais o grande mercado. Então a Alta Costura se tornou ainda mais especial”.


Abaixo estão algumas regras e curiosidades:


– Ainda hoje o termo Haute Couture é protegido por lei, sendo muitas vezes usado erroneamente para designar qualquer peça feita sob medida.

– As roupas precisam ser feitas em material de primeira qualidade, no ateliê da marca e necessitam ser quase totalmente confeccionadas manualmente.

– As peças precisam ser provadas no corpo da cliente pelo menos três vezes.

– A marca precisa ter uma maison localizada no Triangle D’or, região que compreende as vias George V, Champs-Elysées e Montaigne, em Paris. Além disso, a maison não pode ser alugada, ou seja, tem que pertencer a marca e precisa ter no mínimo cinco andares (o térreo uma loja, o primeiro piso um ateliê, possuir um andar em que os desfiles possam ser realizados e ter um showroom para a apresentação da coleção para clientes e imprensa)

– As coleções devem ser apresentadas duas vezes ao ano, durante a semana de Alta Costura em janeiro e julho. Cada desfile deve conter no mínimo 25 looks e ter três modelos para desfilá-los. O número de looks foi diminuindo ao longo dos anos (já foram 75, 50 e 35) e as peças desfiladas que não são vendidas para as clientes, viram acervo da maison.

– A marca precisa ter no mínimo quinze funcionários trabalhando em tempo integral, com capacitação profissional comprovada.

– As oficinas responsáveis por chapéus, sapatos e aviamentos precisam estar localizadas no Triangle D’or. As oficinas de bordado não precisam estar no triângulo de ouro, porém precisam ser em Paris.

– A marca deve ter quantidade mínima fixa de rendimento anual e conter em seu catálogo de produtos, pelo menos um perfume.

– Além das regras, alguns costumes acabam virando tradição da Alta Costura, como encerrar os desfiles com um vestido de noiva e a apresentação de peças masculinas mescladas com as coleções femininas.


Ao longo dos anos, percebemos que a Haute Couture e o Prêt-à-porter se complementam e coexistem de forma harmônica. Afinal, uma inspira os desejos e a outra os torna realidade. E você: é fã dos delírios da alta costura ou do pé no chão do prêt-à-porter? Nós amamos os dois!



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